sábado, 23 de julho de 2011

É Tempo De… - Parte I - The Piper At The Gates Of Dawn (1967)




Você só tem que ler as linhas
Elas estão rabiscadas em preto e tudo brilha”

O ano é 1967 e pode-se afirmar que foi uma época bem farta para o rock’in roll. Os Beatles finalmente lançam um disco para se ouvir com a cabeça e não, como diz um amigo, com as “oreia”! Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band é lançado e rapidamente faz um avassalador sucesso! Do outro lado do atlântico, o The Doors, com toda a loucura do lendário James “Jim” Douglas Morrison também lançam seu disco de estreia chamado apenas “The Doors”. Voltando ao velho continente, Eric Clapton e Cia, na primeira formação do Cream, lançam o álbum Disraeli Gears, na minha humilde opinião um dos melhores do trio Clapton, Bruce e Baker. E, pra terminar essa fantástica introdução de lançamentos, nada mais nada menos que o senhor James Marshall Hendrix lança um trabalho para coroar toda a sua sagacidade/habilidade na guitarra: "Are You Experienced?" e "Axis: Bold as Love" (do The Jimi Hendrix Experience).
Antes de entrar para esse selecionadíssimo hall, era mais que certo que o Pink Floyd já fazia parte como o principal nome da música londrina daqueles tempos, afinal de contas, 20 mil malucos de ácido não podiam estar errados depois de assistir ao mini festival 14 Hour Technicolor Dream, ao lado de outros grandes artistas, sendo o Floyd a atração principal do evento. A consagração da banda aconteceria no mês seguinte, no show Games For May, no Queen Elizabeth Hall. O evento multimídia colocaria o Floyd no centro das atenções entre música eletrônica, shows de luzes, projeções de imagens, incenso e a estreia do Azimuth Co-Ordinator, o impressionante sistema de som e efeitos sonoros da banda. Pois é, estava mais que na hora de entrar no estúdio para gravar seu primeiro álbum. Assim nascia The Piper At The Gates Of Dawn, cujo título havia sido tirado do sétimo capítulo do livro infantil The Wind in the Willows, de Kenneth Grahame. E então, num ano repleto de bons trabalhos para degustar - fico imaginando um adolescente que gostava de rock na época, o quanto não delirava com tudo isso sendo vomitado aos seus ouvidos – mais precisamente em junho/julho, o grupo adentrou ao famoso estúdio Abbey Road e começaram a gravar aquele que seria o melhor exemplo da música psicodélica britânica. Até a capa do álbum, fotografada por Vic Singh, é uma viagem psicodélica. Há relatos de quem já experimentou drogas lisérgicas de que as viagens com luz e imagens são nesse estilo! As faixas do álbum são:
Lado A
"Astronomy Domine"
"Lucifer Sam"
"Matilda Mother"
"Flaming"
"Pow R. Toc H." (Nick Mason, Wright, Roger Waters, Barrett)
"Take Up Thy Stethoscope and Walk" (Waters)
Lado B
"Interstellar Overdrive" (Barrett, Mason, Waters, Wright)
"The Gnome"
"Chapter 24"
"The Scarecrow"
"Bike"
Praticamente todas as músicas são de autoria de Syd Barrett, exceto as que cito os autores acima. Como disse um grande amigo, fazendo referência a este trabalho, se Syd não tivesse pirado o cabeção, provavelmente Roger Waters não seria “o cara” da banda, pois Barrett mostra toda a sua perspicácia, tanto nas letras quanto na melodia. The Piper At The Gates nos trás letras poéticas numa mistura bem eclética. Da faixa de livre-forma “Interstellar Overdrive” até as canções assobiáveis como “The Scarecrow”, o álbum é visto como um dos melhores do progressivo. As letras são inteiramente surreais, fazendo referências a viagens, cores, gatos demoníacos e até ao folclore inglês, como em “The Gnome”. A canção refletia novas tecnologias de eletrônicos, com o uso constante de espaçamento no estéreo, edição de fita, efeitos de eco, e teclados. O disco virou um hit na Inglaterra, mas não foi tão bem assim na América. Para ajudar a promover um pouco mais o trabalho, a banda excursionou com Jimi Hendrix, o que ajudou a torná-los mais conhecidos. Um detalhe interessante é que The Piper At The Gates Of  Dawn foi gravado simultaneamente ao aclamado Sgt. Pepper’s dos Beatles em Abbey Road Estúdio. Durante o período de gravação, os Beatles e o Floyd se encontravam constantemente, e conversavam bastante sobre influências musicais. A vibração psicodélica pairava no ar e muitos cogitam a possibilidade de um disco ter influído no outro, devido aos encontros esporádicos entre Barrett e John Lennon nos corredores da gravadora, saindo dos estúdios para fumar um cigarro (?) ou tomar uma xícara de chá. Ambos os discos são citados hoje como o início do rock progressivo. Um fato curioso a respeito desse álbum é que, segundo o produtor na época, a canção mais difícil de gravar, por incrível que pareça, foi Bike. Originalmente foi chamada de “The Bike Song”. Contam os técnicos do estúdio que gravar com Barrett era algo muito, mas muito complicado mesmo. Ele quase sempre nunca conseguia repetir um solo duas vezes no estúdio, o que dificultou muito as gravações. Ele fazia uma versão e cinco minutos depois fazia outra inteiramente diferente e era impossível editá-las. "Interstellar Overdrive" foi outro exemplo de como era difícil trabalhar com ele. Segundo Andrew King, Syd foi até a mesa de som e mexeu nos equalizadores de qualquer maneira, sem uma ordem específica. "Ele fazia as coisas de uma maneira artística." Porém, mesmo com todos os empecilhos e as viagens psicodélicas e paranoicas de Barret, The Piper At The Gates Of Down valeu – e muito – a pena! Valeu não, ainda vale.
Para comentar um pouco algumas músicas desse lisérgico disco, fiz uma grande coletânea de depoimentos e materiais e também referências de outros ouvintes, que contam como ouviram - e experimentaram a obra.
Piper At The Gates começa com a tensa Astronomy Domine, que tem com o empresário Peter Jenner fingindo-se de torre de comando do controle espacial enquanto lê, monocordicamente, um livro de astronomia aberto numa página qualquer. Sobre o vocal robótico, a guitarra seca de Barrett começa a marcar o tempo e é seguida pelo baixo de Waters, formando um compasso mecânico acrescido de um código morse inventado por Rick Wright ao teclado e pela bateria esparsa de Mason. A guitarra abre a canção com acordes soltos e improvisados, seguidos pelos vocais superpostos de Barrett e Waters: “Flutuando abaixo, o som soa sob as águas congeladas no subterrâneo/ Júpiter e Saturno/ Oberon, Miranda e Titânia/ Netuno, Titã/ Estrelas podem assustar”. A guitarra vai para um lado, o baixo vai para o outro e ambos desenham uma ladeira vertiginosa que mostra a amplitude sonora que as referências astronômicas parecem descrever. O vocal sobre este improviso é um falsete assustador que logo é interrompido com o barulho do vento e a entrada do solo. Por trás, Mason viaja sobre a cadência criada no começo da música, virando-a para dar a dimensão espacial do som. Entramos num universo sonoro novo, onde ouvimos cores e vemos sons.
Depois vem Lucifer Sam, que abre com uma levada groovy do baixo de Waters surpreendida pelos teclados flutuantes de Wright. “Lucífer Sam/ Gato siamês/ Sempre sentado a seu lado/ Sempre a seu lado/ Este gato é algo que não consigo explicar” - o imaginário de Barrett apenas atira pedaços de referências, deixando o ouvinte sem o rumo que a canção pode ter. Sua guitarra alterna golpes secos com microfonia e assobios feitos com o wah-wah. “Você é o lado esquerdo/ Ele é o lado direito/ Oh não” - não há sentido nenhum nas letras a não ser a mesma expansão de consciência que o grupo propõe com som. Ele quer que o ouvinte torne-se uma criança que não conhece o mundo, ingênua da realidade que o cerca, esperando novidades trazidas de outra região da mente. E assim é Matilda Mother, cujo andamento hipnótico revela ouvintes ávidos pelo desconhecido: “Oh mãe/ Conte-me mais/ Por que você me deixa aqui/ Com meu ar infantil/ Esperando?/ Você só tem que ler as linhas/ Escritas em negro e tudo se iluminará”. No meio da canção, Syd - com os vocais - repete a bateria dos Beatles em Tomorrow Never Knows e deixa teclado e guitarras fazerem o que quiser.
Flaming começa sombria, mas logo se mostra um dos momentos mais coloridos do disco. “Só sob as nuvens azuis/ Deitado num edredon/ Você não pode me ver/ Mas eu te vejo” - aqui a atmosfera é de sonho e o narrador nos guia por um folk ácido, cheio de referências surreais e efeitos sonoros, interrompidos por um solo de teclado inspirado, acompanhado de perto dos ruídos do Azimuth Co-Ordinator e da guitarra melancólica de Syd. A instrumental Pow R. Toc H. nos leva para uma floresta úmida e misteriosa, onde cada um dos integrantes imita um animal fantástico, numa espécie de Caravan (de Duke Ellington) abastecida com ácido. No centro da canção, outro solo de teclado, mais jazzy, dá melodia ao batuque primitivo que é a espinha dorsal do disco. A percussiva Take Thy Stethoscope and Walk é a única composição de Waters do disco e é construída em volta de um vocal repetitivo que trafega o verso “Doctor! Doctor!” de uma caixa para outra. Mas logo à frente, o grupo volta às jam sessions que fazem durante todo disco, para Barrett concluir o primeiro lado do álbum: “Música parece ajudar a dor/ Parece cultivar o cérebro/ Doutor gentilmente conta à sua esposa que/ Estou vivo!/ Flores nascem!/ Perceba!/ Perceba!/ Perceba!”.
O lado B começa com um dos momentos mais memoráveis da carreira do Pink Floyd em disco. Interstellar Overdrive é apenas um riff repetido várias vezes até o grupo ceder ao improviso e se arrastar por quase dez minutos que ao vivo chegavam a quarenta, em alguns casos. Durante o percurso, o mais próximo que a psicodelia chegaria ao free jazz sem perder suas características rocker, o grupo acelera, pára, aumenta o som, diminui, os teclados emitem sons estranhos, a guitarra cria sensações anormais, o baixo desfere golpes e assobia doces melodias e a bateria voa para muito além do ritmo - sempre voltando, ocasionalmente, à frase inicial, que retorna, lenta e com pirações em estéreo, no final da canção, interrompida abruptamente por The Gnome, antes do fim. Esta canção, uma bucólica e infantil descrição da vida de Grimple Grumblo em sua aldeia de gnomos. “Olhar pro céu/ Olhar pro rio/ Não é tão bom?”, sussurra Barrett, celebrando o ócio que sua geração abraçara.
“Um movimento é completo em seis estágios/ E o sétimo traz a volta”, canta, contemplativo, Barrett em Chapter 24, “o sete é o número da luz jovem/ Forma-se quando a escuridão é acrescida de um/ Mudança volta sucesso/ Indo e vindo sem erros/ Ação traz boa sorte/ Pôr-do-sol”. A faixa é lírica e um dos momentos mais lisérgicos do disco e foi tirada em sua íntegra do capítulo 24 (Fu) do I-Ching. Ao ocaso da canção, o teclado de Wright desenha uma bela paisagem em que os vocais de Barrett e Waters se circulam como numa canção oriental.
A percussão de Scarecrow é construída à medida que a canção começa e é acompanhado por um teclado infantil. A faixa tem o mesmo ar pueril de The Gnome, mas em vez de falar sobre sua própria geração, prefere discorrer sobre a de seus pais, falando da estática não-criativa que a sociedade os impôs na figura de um espantalho. O clima infantil continua em Bike, em que os principais elementos do Floyd original - pop, efeitos sonoros, letras surreais, solos, vocais intercalados e superpostos - se encontram pela última vez. “Eu conheço um quarto de sons musicais/ Uns rimam, outros tocam/ A maioria deles é mecânica/ Vamos lá fazê-los funcionar”, Barrett encerra o disco cantando sobre o próprio, à medida que saímos do quarto que ele acabou de descrever. Mas sem antes deixar-nos intrigados com uma sequência de sons inventados no estúdio.
Lançado no dia 5 de agosto de 1967, The Piper At The Gates of Dawn foi, junto com seus contemporâneos citados, um marco para a história da música. É certo que o trabalho foi um pouco ofuscado pelo antológico Sgt. Pepper’s, porém o disco de estreia do Floyd explora o limite entre o pop e a lisergia de uma forma que os Beatles (e nenhuma outra banda) sequer consideravam. Depois desse álbum, Syd Barrett começou a dar sinais de que a quantidade de ácido que tomava já não estava fazendo tão bem para a sua grande cabeça. Este foi o único trabalho dele junto ao Floyd, além de alguns singles para o próximo disco. Depois foi meio que “deletado” gradativamente, dando lugar a David Gilmour. Porém, o legado de Barrett está totalmente estampado em Piper Gates do Pink Floyd, que depois se tornou a principal banda de rock progressivo, levando o conceito dos Beatles em Abbey Road, que viria a ser gravado algum tempo depois às últimas consequências.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

É Tempo De…

Prólogo

Certa vez, numa dessas redes sociais da vida, resolvi iniciar uma série de posts chamados “É tempo de...”. Tratava-se de algo bem simples, onde o disco ou a música ou mesmo a banda que eu mais estivesse ouvindo naquele momento era postado e referenciado, dando indicações de boa música aos meus contatos. Numa época em que o bom e velho rock não anda tão em moda assim, mostrar algumas jóias a quem está chegando ou conhecendo agora é algo gratificante. E tudo começou com o antológico álbum Sgt. Pepper's dos quatro rapazes de Liverpol, como uma espécie de zuação a uma bigodeira que vagarosamente se apresentava por aí! E então a ideia vingou e outros contatos também aderiram e até hoje rola posts de amigos indicando / divulgando / homenageando ícones da música. Bom, há um tempo, sorvendo um suco de cevada maltado com baixo teor alcoólico e conversando acerca das casualidades da vida com um amigo, ele me questionou o porque de eu não escrever muito sobre o Pink Floyd, visto que sou muito fã banda? Comentei com ele que o Floyd (apesar de estar fora da mídia) não é nada comercial e buscar informações é algo um tanto que complicado, um verdadeiro trabalho de arqueologia e ele mandou: “Porque você não escreve sobre os discos, então? Tipo assim, faça uma resenha sobre cada álbum, contando as viagens, as histórias e tudo o mais que for relacionado? Conte também o que você sente ao ouvir, o que você acha, enfim, fale tudo o que puder! Creio que ficaria show!!!” Confesso que entrei numa viagem (não psicodélica) com a ideia e comecei a matutar o que poderia fazer! E então resolvi aceitar o desafio, mesmo sabendo que posso deixar muito a desejar, visto a grandeza e a magnitude do Pink Floyd. Como eu disse no post anterior a este: Pink Floyd não se ouve. Experimenta-se! Portanto, é isso que vai acontecer em Noites a partir de agora. A série “É tempo de…” vai deixar as redes sociais por algum período e vai gentilmente (como a guitarra de Harrison) se instalar por aqui. Durante os próximos dias, vou comentar sobre toda a discografia do Floyd, disco a disco, música a música, viagem a viagem, em ordem cronológica, citando tudo e mais um pouco que eu encontrar por aí (on-line e também off-line)! Conversarei com pessoas que ouviram, que ouvem e que sempre estarão ouvindo os trabalhos e os resultados dessa viagem ao mais profundo psicodelismo serão divulgados aqui. Não sou jornalista e tampouco recebo alguma coisa para escrever. Vivo a vida fazendo programas (de computador, heim?) e tenho esse blog apenas como hobby e sinto um prazer assim, incomensurável, de poder escrever e saber que pelo menos 1 pessoa vai ler estas mal-escritas linhas. Tenha em mente que esse trabalho é de fã para fã. Acredito que quando alguém pesquisar algo de Floyd, a resposta para todas as nossas dúvidas certamente colocará um link pra cá e isso, por si só, vai ser deveras gratificante!
Portanto, senhoras e senhores, nos próximos dias vocês não terão posts aqui... Terão uma experiência musical mergulhada no psicodelismo... Orgulhosamente e com um prazer incomensurável e inexaurível... Apresento...

“É TEMPO DE...”

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pink Floyd



You don't listen to Floyd. You experience it.

Li isso em um fórum de música e achei assim, perfeito para a banda, o som, a história, os álbuns, enfim, para o Floyd! Ao som de “On The Turning Away” do álbum “A Momentary Lapse Of Reason”, deixo aqui registrado todo o meu encantamento por Roger Waters, Nick Mason, Richard Wright e Sir. David Gilmour!
Ps.: Certa vez me pediram para fazer um post aqui mesmo em Noites sobre os discos do Floyd. Acho que vou começar a famosa série que fez sucesso no Facebook chamada “É tempo de…”, onde cada semana será dedicada a um álbum, em ordem cronológica de lançamentos. Mesmo achando muito psicodelismo, acho que vou topar a parada!