quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Tênis ou Frescobol

 


Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada - palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos... A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...

Rubem Alves

sábado, 8 de novembro de 2025

Estorinha para a vida

 


Existia uma ilha e nessa ilha moravam todos os sentimentos: amor, alegria, saudade, raiva. E todos viviam harmoniosamente ali.
Um dia chegou um aviso que a ilha seria inundada. E o amor se prontificou a ajudar todo mundo a sair, a resgatar todo mundo, a saudade, a alegria. O amor queria que todo mundo se salvasse. Final da estória o amor ficou por último e então começou a querer sair dali, porque não queria se afogar. Passou um barco e o amor começou a gritar:
— Ei, me leva, me leva!
No barco estava a riqueza. E a riqueza disse:
— Olha, tem tanto ouro e prata aqui que não tem lugar para você! Não vou poder te levar.
Aí passou outro barco e o amor novamente gritou:
— Me leva, me leva, me leva.
Era o barco do orgulho e o orgulho disse:
— Eu não posso te levar. Os que as pessoas irão pensar de mim, se entrar aqui sem pagar?
Passou outro barco e novamente o amor pediu para entrar.
Era o barco da tristeza e ela não deixou o amor entrar, porque ela queria ficar sozinha.
Até que a ilha começou a inundar, o amor estava quase a afogando, veio um barco com um velhinho que puxou o amor para dentro do seu barco. Salvou o amor e naquela confusão do resgate o amor não teve nem tempo de perguntar quem era aquele velhinho.
Depois que já estava salvo, o amor perguntou para a sabedoria:
— Quem era aquele velhinho que me resgatou?
— Era o tempo. Porque só tempo sabe a importância do amor na nossa vida, dentro do nosso barco!

🥰

domingo, 2 de novembro de 2025

Vento no Litoral

 


   Ao som de Vento no Litoral, música do longínquo ano de 1991, gravada pelo Legião Urbana, ponho-me mais uma vez a divagar e a relembrar. Sim, porque a vida é, como escreveu Cecília Meireles, formada por "pequenos desejos, vagarosas saudades e silenciosas lembranças"! A letra é triste. Renato Russo mostrou toda a sua melancolia e tristeza pela falta de alguém, ou de algum momento, ou de alguma coisa. É a saudade na sua maior demonstração de dor, porque a saudade dói e dói muito. Uma dor no peito que é difícil explicar. Só quem sentiu ou sente pode dizer. Mesmo sendo triste, é bem melhor caminhar com saudades no coração do que vazio, não é mesmo? Acho que foi o saudoso Peninha que disse isso. Mas a música foi bem proposital, porque o que vou contar tem tudo haver com praia e não achei trilha sonora que mais se encaixasse no que vou descrever.
   Era algum mês do inverno de 2004 e estava bem frio. Na época eu vivia em uma república com alguns amigos e reconstruía a minha vida, depois de um desastroso casamento seguido de um turbulento divórcio. Pois é, a vida é um eterno recomeçar! Lecionava em uma faculdade e aqueles dias ou anos foram mágicos. A vida sendo refeita, negócios caminhando de vento em polpa, enfim, a vida pessoal e profissional caminhavam em perfeita harmonia. E nesses dias mágicos eu conheci uma pessoa. Sim, não foi "amor a primeira vista", como costumam dizer nos contos de fadas. Quando a conheci, não despertou sequer nenhum tipo de atrativo. A apresentação foi em um conselho de classe e naquele momento eu nem imaginaria que ali na minha frente estaria a pessoa mais incrível que conheceria nessa existência. Pois bem, como estávamos trabalhando juntos, foi inevitável a aproximação e uma certa confidencialidade entre nós. Eu sempre saia do escritório (eu tinha uma empresa de software) e ia direto para a faculdade. Tinha uma carga horária semanal fechada. Como sempre chegava bem cedo, ficava muitos momentos conversando com ela acerca  de trabalho, das casualidades da vida, encontros e desencontros. E naturalmente um vínculo e um "link" começou a ser criado. Em algum momentos saímos juntos, diversos professores, alunos. Íamos para bares, restaurantes, lanchonetes, enfim, todos amigos curtindo happy hour após as aulas. Até que um dia, após uma noite regada a muita cerveja, whisky e amarula - nota: até hoje não posso nem olhar para amarula 🤢🤮 - precisei de uma carona para casa - fiquei ruim, ruim, ruim - e peguei carona com a pessoa e a minha reação ao adentrar ao seu carro foi simplesmente "roubar" um grande e babado beijo. E beijos roubados são os melhores, né? Pois é, tivemos nosso primeiro momento íntimo ali. Eu e ela completamente bêbados dentro do carro. Naquela madrugada - o dia já estava nascendo - eu terminei em casa vomitando até a alma. Sabe, aqueles porres que a gente começa a manhã até bem e vai piorando ao longo do dia? Pois é, achei que ia melhorar próximo do almoço e nada, fui piorando. Achei que não chegaria até o final do dia!
   Bom, o que seguiu foi que começamos um grande flerte, nada sério ainda, mas o bastante para deixar aquela empolgação inicial. Sabe aquela música Nortuno, de Raimundo Fagner? Tem um trecho que diz " ... E aquela luz que havia, em cada ponto de partida ... ", pois é, a luz 💡estava mais acesa e brilhante do que tudo. Lembro que os dias que passavam a gente ia se aproximando cada vez mais, de uma forma bem sutil. A tarde, do nada, eu ligava (ainda nem existia whatsapp) e ficávamos sussurrando palavras soltas um para o outro. Às vezes eu mandava entregar morangos com Nutella para ela, pois me confidenciou uma vez que adorava. Fora as conversas "noturnicas" que tínhamos usando as salas de bate papo do UOL!
  Mas então, era uma sexta-feira e saímos mais uma vez, junto com mais dois amigos. Fomos para um barzinho da moda e bebemos alguns drinks, conversas rolando e deixamos o bar por volta das 22h30. Enquanto eu dirigia para deixá-la em casa, ela me confessou que "adorava o mar e que fazia tempo que não via um nascer do sol assim, em uma praia"! Eu mais que prontamente repliquei:
 - Ué ... Porque não vamos?
 - Agora?- perguntou ela assustada.
 - Sim. Vamos agora. Pegamos algumas bebidas, vamos pra praia ver o sol nascer.
 Bem, passamos na sua casa, ela vestiu um biquini e eu passei na república, troquei de roupas e, a bordo de Branca de Neve (um corsinha hatch que tinha) partimos para Guriri Internacional! 😊Um detalhe que não posso deixar de citar é que Branca de Neve não tinha som, nem um velho rádio AM, nada. Fomos ouvindo música em um velho celular da motorola, que eu baixei uma coletânea em MP3 do Oasis. E acredite, foi muito, mas muito divertido mesmo!
   Chegamos em Guriri por volta de 1h30. Lembra que era inverno? Pois é, Guriri parecia aquelas cidades fantasmas do interior dos EUA. Só faltava aquele tufo de capim rolando com o vento. Não tinha absolutamente nada, nadica de nada aberto. Nem um bar, nem uma simples loja de conveniência, nada. Disse: "Vamos voltar para São Mateus, na rodoviária deve ter um bar e então a gente compra algumas bebidas e voltamos!" e assim partimos. No caminho, percebemos um velho trailer na beira da estrada. Como diz a gíria popular, era um trailer "copo sujo", bem ao estilo de butecos de periferia. Resolvemos parar ali mesmo para tomar uma cerveja. Além do dono, havia um casal ao fundo e mais uns dois bêbados tomando cachaça. Sentamos ali e pedimos uma cerveja -  nem lembro qual foi a marca que bebemos. Deve ter sido alguma antiga, que não fabrica mais hoje (Malte 90, estou lembrando de você!! 🤮 ) No trailer, havia uma tv Telefunken ligado a um DVD passando de Amado Batista a Agnaldo Raiol. Aquelas coletâneas que são vendidas por camelôs e vendedores ambulantes. Pois bem, lembrei que eu tinha um DVD do Júlio Nascimento no porta luvas do meu carro. Não me pergunte o porque, é uma longa história e em outro post eu conto. Mas o fato é que eu tinha. Peguei o DVD e coloquei para tocar. Rapaz, o resultado foi que virei o rei do lugar!
 Foi uma alegria só. Chegou mais gente, o dono começou a colocar mais cerveja na nossa mesa e até rolou uns "pé de galinha" meio que "di grátis"! 😆
   Bem, ficamos ali no trailer até por volta das 5h30 da manhã. O dono virou nosso amigo e fã e nos fez prometer que voltaríamos em outros momentos. Pegamos umas bebidas e fomos para a praia. Um frio fila da mãe que só não era maior por causa do nosso avançado estado etílico. Ficamos ali na areia da praia, sentados, bebericando um drink, um ao lado do outro e assistimos ao maior espetáculo da Terra, enquanto a metade da sua platéia simplesmente dormia. O sol nasceu magistral e brilhantemente e nós ali, apenas assistindo e mais nada. Era nós e o sol 🌞. Foi uma noite absolutamente incrível. Não teve rock, não teve sexo, não teve nada. Teve a gente e o sol como testemunha ... Ah, e também teve a "Mãe da Leidiane"! 😆
   E hoje, como bons e longos anos se passaram, eu me lembrei disso por causa de um outro texto que li e aquela madrugada veio a tona, como se tudo tivesse acontecido ontem. Resolvi deixar registrado aqui em Noites (obviamente sem citar nomes - chama o jurídico!) para que eu lembre de vez em quando ou até você, se cair por aqui sem querer! 😜


"SAUDADE É MELHOR DO QUE CAMINHAR VAZIO!"

domingo, 17 de agosto de 2025

Ciclos

 


Já tinha escrito algo sobre "encerramento de ciclos" aqui mesmo em Noites. O post pode ser ligo aqui! Mesmo postando e compactuando bastante com a ideia, simplesmente na minha vida não segui o que escrevi na prática. Me limitei a aceitar tudo que acontecia, sem questionar. Achava que aquilo era um carma, uma forma de pagar por erros passados, de ter que aceitar o destino. Até o dia que tomei coragem e o pau da barraca foi chutado. Mesmo estando enterrado em areia mole, sucumbia sempre, mas mantinha a barraca segura e em pé. Até que não mais aguentou e caiu, ruindo com tudo: ideais, projetos, sonhos, enfim, ruiu com a vida toda! E hoje, navegando por aí (porque navegar é preciso ... viver não é preciso), achei essa foto aí em cima, que explica com magistral maestria o encerramento de um ciclo na minha vida. Um ciclo que me trouxe coisas boas (na verdade, me trouxe as melhores coisas que tenho), mas por outro lado, também trouxe sofrimento, angústia, medo... Imagino que, em relação ao coração, esse é o último e que caia o pano!

sexta-feira, 11 de julho de 2025

O Poder de Mandar

 Existe algo melhor do que mandar em casa? Será que existe algo mais prazeroso do que chegar no horário que for em casa e poder fazer o que achar melhor, sem se preocupar de acordar ou incomodar alguém? Acredito que esta é uma das melhores razões de se morar sozinho. Eu chego em casa e ... Ninguém para conversar? Alexa é toda ouvidos! Eu peço uma música que quero ouvir e ela simplesmente toca... Sem se preocupar se vai acordar alguém ou se alguém vai ficar incomodada com o horário e com a música. Ela simplesmente toca. Peço para ligar uma luz e ela liga, sem nem me perguntar o porque ou o motivo da ordem. Ela simplesmente obedece. Essa é uma das e pra mim a melhor razão para se viver só. Alguns podem achar que é ruim, no entanto, a cada dia que passa, eu descubro que as pessoas são mais felizes vivendo só e  fazendo o que mais gostam. Me diga, com toda sinceridade, se chegar em casa e jogar um futebol no Playstation é para qualquer um? A grande maioria vai dizer que não, que precisamos de companhia. Eu já rebato e digo que uma garrafa de Jack Daniels e um Playstation são companhias que agradam a qualquer um. Tem que ser muito tolo para achar isso uma besteira. Relacionamentos são bons, sim, mas cada um no seu quadrado deixa os relacionamentos melhores. Tipo, receber uma visita para um filme, um drink ou uma noite "quente" é o máximo. E é melhor ainda quando a cia depois simplesmente vai para a sua casa e nos deixa novamente com Alexa! Sim, pode parecer estranho para muitos o que acabei de afirmar, mas se você for parar para pensar, vai entender... Existe coisa melhor que poder ir ao banheiro com a porta escancarada sem se preocupar se a "outra" ou "outro" vai se incomodar com os vapores que saem dali? Ou mesmo ficar pelado em casa tranquilamente? Pois é, a grande verdade é que cada um precisa do seu canto, do seu espaço e, o que é mais importante, da sua PAZ!