segunda-feira, 22 de agosto de 2011

É Tempo De… – Parte IV – Ummagumma (1969)



“ E um rio verde está escorregando invisível sob as árvores
Rindo enquanto passa pelo fim do verão
Indo para o mar ”
Imagine um louco preso em um quarto com nada além de um monte de instrumentos musicais! É… O resultado seria algo bem louco ou insano. Bom, o Pink Floyd tinha quatro loucos. E o resultado? Uma viagem de ácido por uma selva espacial, tendo a banda como guia. E este passeio o levará entre a fronteira da sanidade e da loucura. E também te levará por lugares e sons nunca antes vistos e ouvidos naqueles dias finais dos anos 60. E este passeio tem um nome… E se chama Ummagumma! Uma experiência como nenhuma outra. É o Pink Floyd no seu mais ambicioso e experimental trabalho, pelo menos até aquele momento!
Ummagumma foi um álbum duplo (parte ao vivo e parte em estúdio) gravado em 1969. O grupo estava trabalhando nesse álbum quando deu um tempo para gravar More, trilha sonora do filme homônimo. Logo após o término deste “trabalho extra”, o Floyd se tranca novamente em estúdio para gravar um novo disco autoral. Para muitos, Ummagumma - uma gíria de Cambridge para designar relação sexual - não pode ser considerado um disco do grupo, já que cada membro escreveu um tema próprio no lado "de estúdio", por sugestão do tecladista Richard Wright. "Esse não é um disco do grupo. O lado ao vivo soa, hoje em dia, incrivelmente antiquado, embora o show do Floyd no Mothers, em Birmigham tenha sido considerado um grande evento. Estávamos procurando uma maneira de montar um novo disco e a EMI era muito mesquinha nessa época e não tínhamos muitos recursos", relembra Nick Mason. O mais apavorado de todos nas gravações era Gilmour. Ele confessou que ficou tenso com a ideia, pois jamais havia escrito uma canção e não tinha ideia do que usar nas letras. "Liguei para Roger e pedi para ele me ajudar. Ele disse 'não' e desligou.”
Ummagumma é um disco onde a influência de Syd Barrett começa a desvanecer-se em favor das visões um pouco menos lunáticas e pastorais de Roger Waters. Mostrou a capacidade colossal do grupo, que os levaria a um patamar muito mais alto nos próximos trabalhos. Um disco com uma atmosfera melancólica e ligeiramente espacial, que começa a definir definitivamente o Pink Floyd. Ummagumma pode ser considerado o mais difícil álbum de se ouvir, mesmo para os fãs mais ávidos da banda, embora o grupo na época estivesse “apenas” experimentando diferentes abordagens musicais para as composições.
Os trabalhos solos são bastantes diferentes um dos outros. A parte de Gilmour, por exemplo, soa mais para um rock simples e muito bom, embora ele tenha dito depois que não gostou muito do trabalho final. A parte de Nick Mason também é excelente, mostrando o quão criativo baterista ele foi (e ainda é). Para aqueles que ainda não ouviram, a parte de Mason não se limita a solos de bateria e sim a “colagens” de sons envolvendo tambores. As últimas partes também são puramente “colagens”, algo que se poderia considerar como melodia, harmonia, etc. Ainda assim, é interessante ouvir!
A parte ao vivo foi gravada nos concertos em The Mother's Club in Birmingham, no dia 27 de abril de 1969 e no Manchester College of Commerce, no dia 2 de maio e é toda excepcional. Cada canção soa muito agradável de se ouvir. Curiosamente, nos créditos, constam que foram gravados no mês de junho, o que é incorreto. Ummagumma seria o primeiro lançamento oficial do Floyd pelo selo Harvest, ligada à EMI e foi o primeiro álbum do grupo a ficar entre os 100 primeiros na América, alcançando a 74ª posição. Na Inglaterra, alcançou o quinto posto. O disco teve um pequeno problema com a canção "Interstellar Overdrive". Ela seria usada no lado ao vivo, mas jamais entrou, por dois possíveis motivos: um seria referente à direitos autorais - havia sido escrita por Syd Barrett, o que é estranho, já que "Astronomy Domine", também composta por ele, estava no álbum. O outro motivo - e mais possível - é que ela teve problemas na fidelidade da gravação e acabou sendo dada como brinde a alguns amigos do grupo.
O LP trazia uma capa muito bem bolada, mantendo a filosofia de capas psicodélicas. São quatro fotos, uma dentro da outra, trazendo, em cada uma delas, um integrante sentado em um banco e os demais faziam poses diferentes, ao fundo. Biggin Hill, em Kent, foi escolhida para tirar a foto da contra-capa, onde aparece uma perua, equipamentos e dois roadies - Pete Watts e Alan Stiles - mostrando todo o arsenal do grupo. Alan Stiles seria homenageado na faixa "Alan's Psychedelic Breakfast", no disco Atom Heart Mother.
O LP trazia as seguintes faixas:
Disco 1 - Ao vivo
Lado 1
1. "Astronomy Domine" (Syd Barrett) – 8:29
2. "Careful with That Axe, Eugene" (Roger Waters, Rick Wright, David Gilmour, Nick Mason) – 8:50
Lado 2
1. "Set the Controls for the Heart of the Sun" (Waters) – 9:15
2. "A Saucerful of Secrets" (Gilmour/Waters/Mason/Wright) – 12:48
"Something Else"
"Syncopated Pandemonium"
"Storm Signal"
"Celestial Voices"
Disco 2 - Estúdio
Lado 1
1. "Sysyphus" (Wright) – 12:59 (on LP); 13:26 (on CD)
Part 1 – 4:29 (on LP); 1:08 (on CD)
Part 2 – 1:45 (on LP); 3:30 (on CD)
Part 3 – 3:07 (on LP); 1:49 (on CD)
Part 4 – 3:38 (on LP); 6:59 (on CD)
2. "Grantchester Meadows" (Waters) – 7:26
3. "Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict" (Waters) – 4:59
Lado 2
1. "The Narrow Way" (Gilmour) – 12:17
Part 1 – 3:27
Part 2 – 2:53
Part 3 – 5:57
2. "The Grand Vizier's Garden Party" (Mason) – 8:44
Part 1: "Entrance" – 1:00
Part 2: "Entertainment" – 7:06
Part 3: "Exit" – 0:38
Enquanto o lado "ao vivo" foi produzido pelo grupo, Norman Smith ficou encarregado do de estúdio. O disco gerou elogios e críticas entre os membros. Gilmour o considera mal gravado e disse que pensaram em refazê-lo. Richard Wright concorda com o guitarrista, mas salientou que a experiência o ensinou muito em termos de composição e de estrutura. Ironicamente, demoraria 19 anos para o Floyd lançar um novo disco ao vivo, já sem Roger Waters, para se "redimirem", fato que aconteceu com Delicate Sound of Thunder. O terceiro disco ao vivo da banda seria P•U•L•S•E, de 1995.
Comentando um pouco mais a parte “de estúdio”, ela começa magistralmente, com batidas simbólicas e sons viajantes e melancólicos. E depois o piano entra, e é absolutamente incrível, embora, infelizmente, a felicidade não dure tanto tempo. Richard Wright começa a bater nas teclas como se não houvesse amanhã. Todo ritmo desaparece e a canção perde todo o controle. Acordes sustentados e “enlameados” estão rodando uns sobre os outros e notas aleatórias são jogadas sem qualquer ordem. É um completo caos. E isso não é nem a metade da música. As duas primeiras partes do Sysphus preveêm o resto da música. Esse começo é apenas um breve momento de beleza antes de descer para a loucura. Sysphus continua na parte 3 com uma percussão em todos os lugares e animais começam uma gritaria ameaçadora. É perturbador e desconfortável ouvir, mas,
mas, como em um filme de terror, suas mãos estão cobrindo seus olhos, mas ainda assim o deixam espreitar a sala, porque a sua curiosidade o faz continuar assistindo. Em seguida, a parte
quatro aparece, e lhe dá três minutos de ambientação e, em seguida, ela pára e um acorde de piano horrível continua tocando e ficando cada vez mais alto e você imaginando que a sua cabeça vai explodir, mas não o faz… E as notas cada vez mais altas junto com os acordes que apenas permanecem sustentados enquanto o teclado caótico é jogado. E a canção termina com o mesmo início majestoso. Lembra do louco preso no quarto com instrumentos? Pois é, eu te avisei!
A parte de David Gilmour mostra claramente a direção que o Pink Floyd estava tomando. Se Roger Waters viajava ao extremo no psicodelismo, Gilmour nos trazia de volta a realidade, colocando nossos pés no chão, para que saibamos que tudo aquilo que passou foi apenas uma viagem. A primeira música da sua parte mostra um violão tocando uma melodia acompanhado de efeitos de eco em segundo plano. Já a segunda tem uma guitarra funk profunda tocando enquanto efeitos espaciais ao fundo criam uma paisagem espacial e escura. Esta paisagem espacial vai desaparendo dando vez a parte três que começa lindamente. Um coro forte começa e é a melodia mais bonita do disco. Gilmour começa a cantar acompanhado de um piano e a canção dos dá uma sensação de sonho escuro e ao mesmo tempo é relaxante e calmante, o que é raro neste disco. Os mesmos efeitos de ecos espaciais entram e complementam a música perfeitamente. O piano e a guitarra tocam juntos, até os sons desaparecerem por completo. É uma canção de sonho, mas também de medo e assombração.
Talvez a faixa mais interessante seja a de Roger Waters, "Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict", que traz uma mensagem escondida entre os minutos 4:32 e 4:33. Se você colocar o vinil em meia velocidade ouvirá David dizendo "This is pretty avant garde, isn't it?". Não tenho ideia de como você pode ouvir esta mensagem no seu ipod ou mesmo naquele velho MP3 no seu computador.
Dessa maneira, o Floyd lançava um disco "individual" feito pelo grupo. "Éramos realmente individualistas", confessou Nick Mason, que levou sua esposa Lindy para tocar flauta em "The Grand Vizier's Garden Party", de sua autoria. O próximo disco, Atom Heart Mother, o famoso "disco da vaca", seria o primeiro a ter o "verdadeiro som" do Pink Floyd, ainda que Gilmour o odeie até hoje.
Definitivamente, Ummagumma não é o trabalho mais acessível e audível do Pink Floyd. Somente três, das cinco músicas do álbum de estúdio possue ritmo e não tem ruídos por todos os lados. Embora ambos os álbuns sejam bons, nenhum deles consegue-se ouvir casualmente, principalmente o álbum de estúdio. É um disco recomendado para os fãs de Floyd e também para quem gosta de música experimental. É um album único e marca o início do Pink Floyd para a sua grandeza.

1 comentários:

Júnior Pinto disse...

Cápua,
Ummagumma apareceu lá em casa quando eu tinha meus 6 ou 7 anos. Do disco em estúdio, o que mais me impressionava à época era "Several Species..." do Waters. Pra mim, com a mente de criança e sem saber o que o título significava, era como se fossem vários animais chegando para uma reunião, discutindo e depois aparecia um indivíduo dando um sermão a todos, numa língua desconhecida.
Hoje resolvi ouvir a faixa e as imagens voltaram à mente.
Assim, agradeço pelo seu texto ter me instigado a mais uma vez mergulhar nesse emaranhado de sons.